ROCK IN RIO LISBOA 2014
Dia 29 de Maio
Copyright: Agência Zero
Duas palavras: Rolling Stones
Em frente, três cinquentões rodam um charro. Ao lado, um grupo de adolescentes vai buscar passos do rock à gaveta. A “geração Stones” é isto: vai dos 15 aos 60, com algumas excepções. As maiores são os próprios pais – Mick Jagger e Keith Richards, de 70 anos; Charlie Watts, de 72 anos; e Ronnie Wood, de 66 anos –, que ontem inflamaram de êxtase o Parque da Bela Vista, ao longo de duas horas. Foi o maior concerto do qual Portugal tem memória, tendo em conta as 96 mil pessoas que esgotaram o recinto e que vibraram ao som dos demónios do Rock n’Roll.
Se haviam prometido um espectáculo memorável, os Rolling Stones conseguiram-no, contrariando a letra de uma das grandes faixas da noite: “You can’t always get what you want”. Surpreenderam pela companhia – Bruce Springsteen destacou-se como surpresa máxima no leque também composto por figuras como Gary Clark Jr., Mick Taylor, Lisa Fischer ou Bobby Keys –; pela genica – por mais que se esperem pernas frenéticas em palco, é sempre uma surpresa perceber que elas não tremem por um segundo; e pelo alinhamento-mestre entre o conteúdo e o enredo.
Embora as luzes se tenham virado para o momento em que Springsteen, inesperadamente, pisou o palco, as pedras começaram verdadeiramente a rolar aos acordes de “Out of control”. Jagger assim o ditou, endiabrado, acordado 40 anos mais novo, enfim, a apelar ao descontrolo.
Também os duetos de Richards e Ronnie – com “Can’t Be Seen” ou “You Got the River” – trouxeram espaços de respiração importantes ao concerto, mostrando que a banda se aguenta em uníssono num ritmo bem soprado pelo vento.
Já perto do final, ao manto encarnado de Jagger juntou-se o incêndio visual deflagrado em “Sympathy for the Devil”. Quando se grita “Please to meet you/Hope you guess my name”, duvidamos, realmente, da natureza de Mick Jagger. Algum homem de carne e osso pode aguentar em palco duas horas assim?
Memorável e de memória viva, o quarteto britânico levou o público aos insaciáveis 60’s, não fossem eles a voz de “I Can’t Get No Satisfaction”, música de encerramento em Lisboa. Tivesse pulsado este rock num rio e dançaríamos nus.
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3 em 1: Rui Veloso, Leline, Angélique Kidjo
É difícil fazer-se peito num dia em que o cartaz enverga o nome dos Stones. Mas a verdade é que as restantes actuações foram certas, com boa energia e atitude. O “Lado Lunar” de Rui Veloso começou por encher de vozes o parque ainda solarengo, embora morno, da Bela Vista. Lenine tentou aquecer os primeiros minutos, mas o calor chegou mais verdadeiro na presença de Angélique Kidjo. Foi aí que se fez um concerto de Rui Veloso com groove, atingindo o público em sorrisos na interpretação de “Redemption Song”, de Bob Marley. Mais tarde, houve também lugar para “Sodade”, da diva Cesária Évora, e assim África viveu, num Rock in Rio voltado a Sul.
Xutos, sempre Xutos
Se a quinta-feira era mesmo de rock, não poderia faltar a actuação dos Xutos & Pontapés. “Há 35 anos que fazemos tudo à nossa maneira!”, arrancaram assim os festivaleiros mais conhecidos dos portugueses, que foram delineando a noite entre clássicos aos quais o público respondeu de olhos fechados. O começo deu-se sem preparativos, pelo que ainda alguns se concentravam em pedir cervejas lá atrás e já os “Contentores” soavam do palco. “Falhas” e “Chuva Dissolvente” não impressionaram, mas a inevitável “A Minha Casinha” e “Dia de S. Receber” compensaram na medida certa.
2014 marca os 35 anos de Xutos em concertos e esta foi a sexta vez (em seis edições) que a acarinhada banda portuguesa participou no Rock in Rio. Há respeito por isso. Foi esse, aliás, o sentimento que imperou durante uma performance à-vontade, em casa, do lenço ao cabedal.
O toque de blues
Foi o músico que mais acompanhou os Rolling Stones em tournée este ano. Gary Clark Jr., o “futuro do Texas Blues” (assim foi nomeado), decidiu pisar o palco do Rock in Rio com a criação de Robert Petway, o clássico “Catfish Blues”, desviando do rock puro os acordes vindos do Palco Mundo. Arriscou bem, mas melhor ainda quando saltou para a esfera de B.B. King ou fez ressoar a guitarra em continuum nas suas canções. Da sua verdadeira praia, apostou sobretudo no mais recente álbum, “Blak and Blu”, que mistura toques de Soul, Blues, Rock e R&B.
Apesar da boa actuação, o público pareceu não vibrar. Arriscamos dois motivos para isso: a popularidade de Gary ainda não chegou com força a Portugal, para além de que, nesta noite, o norte-americano carregava a “cruz” de anteceder os esperadíssimos Stones. Missão difícil. Ainda assim, diríamos que Gary Clark Jr. abriu com diplomacia o caminho de uma possível boa amizade com os portugueses.
Texto: Rute Barbedo
Fotografia: Rúben Viegas