NOS Primavera Sound 2014: A última ceia
Sem falhas, os YCWCB deram um excelente concerto no auditório natural principal do Nos Primavera Sound.
Nas poucas pausas reparámos que a presença das marcas não é agressiva. Os anúncios passam sem som. Há mais silêncio em Nos. Felizmente.
Pais e filhos pequenos, aparentemente indiferentes à banda sonora, marcam presença no festival com auscultadores a proteger os ouvidos. Correm, saltam e fazem aquelas brincadeiras típicas de rodas no ar. Respira-se felicidade ao som da excelente música do nosso velho conhecido, ex-Sonic Youth, presença regular em Portugal e no festival catalão-pai.
Lee Ranaldo está em palco, agradece a presença do público, e começa a entoar “Last Night On Earth”, o tema-título do último disco. Categoria.
LEE RANALDO and THE DUST
{gallery}FotoReportagens/2014/NOSPrimaveraSound2014/Dia7/LeeRanaldo{/gallery}
Mais uma vez o vento prejudica a perceção sonora, mas tal não justifica tudo. Cada músico dos Neutral Milk Hotel parece tocar para seu lado, numa cacofonia bastante desagradável.
Dos Yamantaka // Sonic Titan, com pinturas que lembram os Kiss, não reza a história deste festival. Há por aqui rock sinfónico, noise, gritos/berros na qualidade de som mais fraca do ATP. Os grandes também falham.
Trocamos de palco e espreitamos Mas Ysa, nome de palco do músico, compositor e artista visual Thomas Arsenault, no Pitchfork. A produção é excelente, embora a voz deixa algo a desejar, ficando a sensação de que é melhor em disco do que em palco.
Nova mudança de palco leva-nos até John Grant. O excecional artista norte-americano assume o gosto pelos azulejos portugueses. Notamos que o desenho de luz é encantador, com uma saudável alternância de cores. Raras vezes o palco Super Bock soou tão bem, apesar do vento desagradável que se faz sentir. A presença seguríssima de Grant é apenas beliscada pelos elevados decibéis dos Standstill (palco ATP) que se intrometem no caminho. O autor de “Queen of Denmark” responde com uma batida gorda, no limiar da eletrónica dançável, “Where Dreams Go To Die”. “The Greatest Motherfucker” «não é, definitivamente, acerca do Porto», afirma. Nem Cat Power se lembraria de uma letra assim. Que capacidade de criar momentos de acalmia e de caos, tudo bem coordenado e bem escrito. Um verdadeiro ‘maestro’ pop rock.
JOHN GRANT
{gallery}FotoReportagens/2014/NOSPrimaveraSound2014/Dia7/JohnGrant{/gallery}
The National, o que dizer e escrever sobre eles. No início do concerto os ecrãs mostram uma instalação deformada dos músicos e não a verdadeira banda. A alegoria visual é comparável ao atual estado dos autores de “Boxer” e “Alligator”, que soam praticamente ao mesmo que soavam há 10 anos, quando atuavam para 20 pessoas na tenda do Sudoeste - boa voz, bons músicos e boas canções mas parte da emoção na escrita de novas temas evaporou-se e nem o fabuloso documentário “Mistaken For Strangers”, realizado pelo mano Tom Berninger, parece suficiente para evitar a caricatura em que se tornaram.
THE NATIONAL
{gallery}FotoReportagens/2014/NOSPrimaveraSound2014/Dia7/TheNational{/gallery}
No palco Pitchfork, a surpresa chama-se Dum Dum Girls. Luzes azuis, imagens ao fundo, uma viagem sustentada por músicas pop rock bem escritas.
Corremos para não perder o início do concerto mais aguardado do dia, e para muitos do festival inteiro, Charles Bradley. Aos 65 anos, com uma vida repleta de histórias e dois discos na bagagem – No Time For Dreaming (2011) e Victim of Love (2013), Bradley transporte a alma de James Brown, Isaac Hayes e Barry White. Que voz, som, presença e que superbanda o acompanha. Com direito a apresentação à americana, parece saído de um filme dos anos setenta. Secção de sopros, guitarras, baixo, órgão, bateria e uma voz do outro mundo para um concertaço inesquecível. Na relva, à distância, entre mantinhas, muitos bebés a serem feitos ao som de um irreprovável soul. Bradley muda de roupa, permitindo à banda arriscar um funk instrumental. Que groove fenomenal, que proximidade permitida pelo palco ATP, que privilégio podermos testemunhar esta qualidade. Nada mais interessa, o Nos Primavera Sound termina aqui.
CHARLES BRADLEY
{gallery}FotoReportagens/2014/NOSPrimaveraSound2014/Dia7/CharlesBradley{/gallery}
Brincadeirinha… St Vincent dá as boas vindas aos «freaks», confessando adorar os National, cangurus – e mensagens sobre perseverança e não desistir – acrescentamos nós, o que resulta na segunda maior enchente do dia, a seguir aos autores de “Fake Empire” e “Mr November”. Boa banda, bom som, alguns pormenores bem trabalhados, mas também bastante sono… Annie Clark está agora loira, mais pintada/produzida, pronta para a dar tudo. Mas infelizmente o que dá não chega, apenas uma sombra do concerto no SBSR de há uns anos.
ST. VICENT
{gallery}FotoReportagens/2014/NOSPrimaveraSound2014/Dia7/StVicent{/gallery}
Chk Chk Chk, os nossos velhos conhecidos do Primavera Sound (2003, em Barcelona), Paredes de Coura, Dance Station, etc.. A brincar, a brincar, muito e bom funk musculado. Os membros da banda já não rodam tanto de instrumento como outrora, a postura é mais séria, as músicas novas são menos interessantes, mas o vocalista continua a dar o litro nos saltos e na animação da malta. Boas luzes, bom som, os mesmos calções?!? Já a t-shirt com manchas de vinho e de vomitado deu lugar a uma imaculada camisa. Navega pelo público e põe todos aos saltos lá à frente. É impossível não bater o pé. Brinca com as câmaras e ao fim de 11 anos continua a merecer o título de animal de palco.
Chk Chk Chk
{gallery}FotoReportagens/2014/NOSPrimaveraSound2014/Dia7/ChkChkChk{/gallery}
À distância ouvia-se Ty Segall no palco ATP enquanto Glasser, Cloud Nothings e Pional se aventuravam noite fora no Palco Pitchfork. O final ‘possível’ para um festival que deixa muitas saudades e que esteve bastante perto da plenitude no conforto auditivo. Aguarda-se a repetição da experiência em 2015, encontramo-nos por lá.
Texto: Filipe Pedro
Fotografia: Rúben Viegas