NOS Primavera Sound 2014: No meio está a virtude
Um manto verde preenche agora o espaço entre a régie e os palcos Nos/Super Bock/ATP (o Pitchfork é coberto). Os Torto estão em palco, em dia chuvoso, o sol dá um ar de sua graça, acrescentando tonalidades ao abundante verde do Parque da Cidade. Pois, o concerto: a banda ‘rocka’ forte e feio, lembrando outras bandas do cartaz, como Shellac ou GY!BE, poderoso trio de bateria, guitarra e baixo. Pena não se distanciarem o suficiente para a criação de uma identidade própria.
Rock especial circular, recheado de detalhes, poderoso. Os miúdos Föllakzoid
vão muito longe. Som impecável, bem equalizado, um luxo. «Força Chile, força Portugal», diz algo timidamente o vocalista/baixista - não se percebe bem o que canta - arrastado - mas pode ser essa a ideia, dado o delay.
Apesar do vento prejudicar a perceção sonora, os Midlake são coesos e puxam pelo público em momentos mais indie pop.
MIDLAKE
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Muitas pessoas estão em trânsito, entre palcos. Parte do espírito da edição catalã respira-se por aqui. Menos palcos e menos artistas, é certo. Mas o cimento do Forum 2004 foi substituído pelo verdinho dos campos e das árvores, respira-se oxigénio e bons aromas naturais – em Barcelona uma das étares está ao lado do recinto – e aqui a distância entre palcos é bem menor.
Com 15 minutos de atraso – os Föllakzoid esticaram-se um bocado – e resolvidas algumas questões técnicas, o concerto dos Television tem finalmente início. O baterista ainda toca muito, bem como os guitarristas/baixista. Há muita cumplicidade, tal como testemunhámos há 10 anos em Barcelona.
TELEVISION plays MARQUEE MOON
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Entretanto as Warpaint levavam o terceiro disco ao palco principal do festival. Ao vivo as músicas ganham outra dimensão/dinâmica. Numa das curtas intervenções elogiam o público português: «o melhor do mundo» e referem os Television, brincando com o facto de apenas uma pessoa ter visto o concerto. «É o sol ou a lua?», diz Emily Kokal, apontando para o mar. Na Califórnia o sol põe-se precisamente do mesmo lado, ‘fofinha’. «Vamos tocar mais dois temas, o que significa três na realidade»; «agora temos mais duas canções para tocar com o vosso sol maravilhoso». Num dos melhores momentos da atuação “Ashes to Ashes”, de David Bowie, é tocado certinho e bem afinado.
Nervosa na estreia do palco Pitchfork, Courtney Barnett tem em Hole e nos Nirvana algumas das referências instantâneas. Tímida, mas com letras poderosas, confessa que se assustou com a tenda Pitchfork – de assinaláveis dimensões – vazia a poucos minutos do concerto.
WARPAINT
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Perdemos Pond (com três elementos dos Tame Impala) mas as sonoridades circulares em crescendo rock dos Slowdive deixaram-nos a levitar. O caldeirão de boas referências é incrível e as luzes estiveram um primor, numa ímpar coordenação com a música. Viveu-se mais um incrível momento no Primavera Sound.
SLOWDRIVE
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O ATP, sempre o ATP. De longe o melhor palco do festival em qualidade de som e propostas musicais como GY!BE, com o seu característico subir de intensidade e de decibéis e os temas longos e circulares. Perdoam-se os 20 minutos de atraso, já com os Pixies no segundo tema (e por falar nos Pixies, sem Kim Deal a banda de Boston não é a mesma – depois de um concerto sofrível no Coliseu dos Recreios, preferimos ficar com a memória do SBSR ou do primeiro concerto no Primavera Sound, em Barcelona, há dez anos…). Luz soturna, ecrã ao fundo com um vjing variado – letras, paisagens com filtros, fotos alucinadas, mensagens de esperança… no fundo, como as músicas, cheias de nuances, pequenos detalhes e muita qualidade.
PIXIES
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TRENTEMOLLER
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Não nos levem a mal, respeitamos imenso os Mogwai. São uma banda que por diversas vezes nos encheram as medidas – duas delas em Paredes de Coura e pelo menos uma vez em Lisboa -, mas esta noite estão desinspirados (e não se pode culpar o novo álbum, que é bastante interessante). Neste momento, pelas duas da manhã, acontece algo como em Barcelona: três bandas imperdíveis a tocarem ao mesmo tempo: Mogwai – Loop – Darkside. Opções, opções.
MOGWAI
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Mais uma vez o palco ATP leva a melhor com os Loop a darem um senhor concerto. Assumem o roubo e assumem o que são e a paixão pelas guitarras. A escola noise tem barbas mas raras vezes soou tão pop quanto em Loop (sim, é um elogio).
Ainda espreitamos os últimos temas de Darkside, no palco Pitchfork, projeto do génio da eletrónica Nicolas Jaar e do multi-instrumentista Dave Harrington. Demasiado fumo em palco prejudica a perceção do que se passa em palco. De resto, Nicolas demonstra que tem uma boa voz e que é capaz de agradar tanto os fãs de eletrónica quanto os de indie, dadas as referências.
O nosso contacto com os três ‘meninos’ Shellac remonta à primeira atuação em Barcelona. “Terraform” (1998), em vinil, é um habitante lá de casa e Steve Albini, produtor de diversas obras-primas do indie rock, dispensa apresentações. O resto da banda inclui o fabuloso baixista Bob Weston e o excecional baterista Todd Trainer. Os anos passam mas os Shellac mantêm-se como a banda com mais presenças em Barcelona e, agora, também no Porto. Um luxo, sobretudo para quem os viu no Auditório do Mar, em Barcelona, a puxarem pelas pessoas como se não houvesse amanhã – tudo de pé e em modo Q&A (perguntas e respostas). Muito poder de baixo, de bateria, de guitarras, com os amplificadores no máximo. Que qualidade. E ainda Steve Albini – o próprio – a improvisar e a ironizar letras. Casaco pendurado num prato da bateria, monição de som ‘state of the art’. Nada falha nestes concertos. A atitude é única, como habitualmente vão recolhendo os instrumentos do palco (e desmontando a bateria por peças até o baterista poder tocar apenas ‘air-drums’).
Aparentemente indiferentes a tudo isto, Todd Terje e Bicep fecham a noite com as habituais batidas gordas destinadas aos fiéis acólitos com algum sangue no álcool.
Texto: Filipe Pedro
Fotografia: Rúben Viegas